Entrevista com o criador do Conselho Alemão de Construção Sustentável (DGNB)

17/05/2011 15:20

TRIPLO ZERO
Artífice do futuro
Arquiteto, engenheiro e professor, Werner Sobek repensa conceitos e só quer saber de inovar. Para o criador do Conselho Alemão de Construção Sustentável (DGNB), tecnologia e bom design devem se desenvolver cada vez mais para que a preservação do meio ambiente também seja um exercício do belo

Maggi Krause
Arquitetura & Construção / Construção Sustentável - 12/2011

 

[img1]Ele deixou boquiabertos os engenheiros de uma famosa montadora alemã ao sugerir que um automóvel é tal qual uma casa, uma roupa, um invólucro. Então, como nunca se pensou em analisar o microclima dentro do carro? Werner Sobek defende o conforto ambiental em qualquer lugar - deveria acompanhar o indivíduo no quarto, na empresa, na rua, no transporte. Sua paixão por automóveis foi mais uma inspiração para pensar longe do lugar-comum e sugerir experimentação e melhoria. 

Curioso e determinado, pesquisou durante anos para montar a própria residência segundo o paradigma do Triple Zero® (Triplo Zero), criado por ele. É simples mas engenhoso para resolver: a casa não precisa de energia externa, pois é capaz de gerá-la por meio de células fotovoltaicas, não emite CO2, não produziu lixo durante a construção nem produzirá em reformas ou na demolição (que ele prefere chamar de desmontagem). Dessa mesma morada, na cidade de Stuttgart, Alemanha, o arquiteto vanguardista concedeu a Construção Sustentável esta entrevista exclusiva. 

CS: Quais os maiores problemas da construção nos dias atuais?

WS: Recentemente, deu-se muita atenção à quantidade de energia utilizada num edifício, o que é bem-vindo. Mas se falou pouco sobre outras questões importantes. Ainda não temos uma solução para tornar nossa casa 100% reciclável, considerando os materiais utilizados ou a maneira como eles se conectam. Também não temos como calcular quanta energia está exatamente contida num prédio. Essas questões nos desafiam, mas os arquitetos não podem esquecer que seu trabalho deve ser perfeito dos lados técnico e estético. Por isso, a tarefa mais importante que desenhistas industriais, arquitetos e engenheiros irão enfrentar no futuro próximo será a de fazer a ecologia atrativa e excitante, de tirar o fôlego mesmo. 

De que modo poderemos atingir parâmetros sustentáveis de construção?

A verdadeira sustentabilidade só pode ser alcançada se reunirmos cliente, arquitetos e engenheiros em estágios muito iniciais. No planejamento moderno e em processos de construção, as consequências ecológicas e econômicas que surgem de certas decisões são muito complexas para serem compreendidas por uma pessoa apenas. Só um processo de planejamento integral permite atingir uma solução excelente. Em nossa consultoria, estabelecemos procedimentos específicos para facilitar a integração entre vários projetistas, considerando todo o ciclo de vida de uma edificação, do design inicial até a construção, o uso, a reforma e a desmontagem. Um software, desenvolvido com parceiros que detêm a ferramenta BOTworld, é parte importante nesse contexto. Por meio da análise de microclima, ele prevê o comportamento e o conforto dos usuários em relação à área construída, e esse conhecimento nos permite otimizar o design urbano.

Nos últimos 20 anos, o que mudou de forma significativa na construção sustentável?

Houve grande progresso na economia de energia para aquecimento e resfriamento. Mas muito precisa ser feito para captação e armazenamento de energia e para a interação do ambiente construído com as futuras motos e carros elétricos [os carros elétricos precisarão de energia e a casa poderá gerá-la]. E também em relação ao ciclo de vida completo de uma construção, minimizando a energia retida nela [gasta para produzir seus materiais] e fazendo que seus componentes sejam completamente recicláveis. 

Há novos conceitos na cena atual? Quais você considera os pontos-chave?

A Alemanha certamente é um dos países líderes da tecnologia ecológica. Os parâmetros de construção são muito altos, quem projeta tem ótima qualificação e as construtoras executam projetos complexos em cronogramas apertados. Mas o que ainda falta aqui e em outros países é um approach rígido em direção ao planejamento integrado. Nesse ponto precisamos progredir substancialmente. A arquitetura contemporânea tem de desenvolver novas soluções para os desafios de hoje. A necessidade de reduzir radicalmente o uso dos recursos exige novas tecnologias. Chamo isso de high-eco-tech [algo como ecologia high-tech]. Mas ainda estamos em fases iniciais dessa nova abordagem. 

Em que aspectos a estrutura de um prédio ajuda na sua sustentabilidade? 

WS: É preciso lembrar que 60% dos recursos do planeta são utilizados em construções. E a estrutura responde pela maior parte do uso de materiais. Projetar uma estrutura de modo inteligente também é precondição para a desmontagem adequada ao final do ciclo de vida do prédio. 

Que materiais você considera mais adequados para uma construção ser sustentável? 

Não é tanto uma questão de materiais específicos. O aço pode ser mais sustentável do que o adobe; o vidro, mais do que a madeira. Tudo depende da influência que eles têm no edifício por todo o seu ciclo de vida, e também do modo como os materiais são aplicados na estrutura: eles podem ser reusados ou reciclados com facilidade ou são apenas lixo tóxico assim que tudo for derrubado? No entanto, desenvolver novos materiais também pode nos levar ao grande passo à frente que precisamos dar, uma evolução na nossa maneira de construir. 

Há novos materiais sendo pesquisados pela sua equipe? Eles estarão disponíveis para o mercado no futuro próximo? 

Meu instituto na Universidade de Stuttgart, o Institute for Lightweight Structures and Conceptual Design (ILEK), realiza pesquisas sobre novos materiais e estruturas. Entre elas, concreto ultraleve, painéis de vidro intercambiáveis, fachadas têxteis que respiram, estruturas adaptáveis que suportam peso etc. Algumas - como as estruturas estabilizadas por vácuo - já estão sendo utilizadas. Outras estarão disponíveis em dois ou três anos. Tenho certeza de que terão um imenso impacto e influenciarão o modo como projetamos e construímos as casas. 

Fachadas são uma parte importante do clima e da gestão de energia de um prédio. Quais os principais aspectos considerados no design delas? De que modo ela integram novos padrões e experiências em busca da sustentabilidade? 

Ao projetar fachadas, aplicamos os mesmos princípios de planejamento usados em outros componentes do prédio. Elas precisam ser altamente funcionais, oferecer o máximo de conforto ao usuário e ter uma estética excelente. Não preciso dizer que também devem cumprir itens para ser sustentáveis. A minha residência, a R128, foi a primeira que utilizou painéis de vidro insulado triplo no fechamento como parte integral do conceito de clima, para garantir conforto térmico. A fachada-membrana, que desenvolvemos junto com meu amigo, o arquiteto Helmut Jahn, e a empresa Transsolar para o aeroporto de Bangkok foi outro marco inovador. Ali, o material em três camadas é ótimo regulador de ruído e calor, e, além disso, deixa passar a luz para o interior. Quando essas fachadas adaptáveis que estão sendo desenvolvidas no ILEK chegarem ao mercado, permitirão avanços em termos de sustentabilidade. 

A certificação concedida pelo Conselho Alemão de Construção Sustentável (DGNB) é diferente de outros selos verdes?

A certificação DGNB enfoca metas, não ações individuais. Ela considera o desempenho total da edificação. Proprietários e projetistas têm uma gama imensa de maneiras de chegar a essas metas, e nós encorajamos soluções inovadoras. O sistema de certificação é flexível e pode facilmente ser atualizado e adaptado. Seus critérios permitem identificar passos eficientes e baratos que levam a um design melhor. Além disso, promove o planejamento integrado da edificação e, dessa forma, incentiva a otimização do potencial construtivo, operacional e da fase final do ciclo de vida. Como resultado, a certificação aumenta as chances de venda e aluguel, pois demonstra a alta qualidade do edifício para proprietários e usuários. Além disso, o selo DGNB promove mais qualidade de mão de obra, torna o edifício amigável e aumenta seu nível de ocupação. Ele ainda consegue descrever o perfil de usuário correto para vários tipos de prédios! O selo pode ser adaptado para diversos países. Mesmo assim, todos os edifícios são julgados pelos mesmos critérios. Isso facilita a aplicação do sistema - até mesmo internacionalmente - e possibilita comparar a qualidade dos prédios avaliados ao redor do mundo. 

Atualmente, existem quantos prédios certificados pelo DGNB? 
Hoje há cerca de 160 certificados e outros 100 em processo de certificação. A maioria deles fica na Alemanha, o que é plausível, já que foi aqui que começamos nosso trabalho. Mas também certificamos prédios na Áustria, no Canadá, na Bulgária e em Luxemburgo. Temos acordos de cooperação com vários conselhos Green Building, que querem adaptar o sistema DGNB para suas condições locais, como os da Áustria, Suíça, Eslovênia, Tailândia e China.

O que considera o maior mérito do DGNB? 

Criamos essa associação há apenas três anos e ela já conta quase mil membros. Mas destaco o fato de que desenvolvemos, testamos e estabelecemos uma nova ferramenta para avaliar construções sustentáveis, considerada por muitos como a melhor no mundo. Claro que isso não seria possível sem o entusiasmo da equipe que trabalha na sede da DGNB e das centenas de voluntários que contribuíram para nosso sucesso. 

Qual seria o próximo passo no aperfeiçoamento da construção sustentável? 
Na parte que se refere ao DGNB, o objetivo certamente é tornar a certificação uma parte integral do processo de planejamento para que seja atingida a melhor edificação possível - do ponto de vista da ecologia, da economia e também do conforto e da funcionalidade. Se eu considerar meu trabalho como engenheiro estrutural e arquiteto, o objetivo é projetar casas ativas (Aktivhaus, em alemão), não passivas (Passivhaus). A filosofia básica por trás desse conceito é a de que a casa responde de maneira ativa, ou reage, ao que está acontecendo dentro e fora dela. Isso significa, por exemplo, que, se ninguém estiver no interior, as temperaturas poderão ser mais baixas ou mais altas do que se houvesse pessoas. É claro que isso tudo corre em paralelo a outras ações, como a captação de energia e a ventilação, que contribuem para economia de energia. As casas ativas precisam cumprir o padrão Triple Zero®, mas em geral produzem mais energia do que consomem ao longo do ano. Também oferecem aos usuários o máximo de conforto possível - o que, no nosso entender, inclui ambientes transparentes e banhados por luz natural. 

Veja galeria de fotos dos projetos aqui

O ESTÁDIO NO BRASIL, A ESTRUTURA E O CLIMA

Com sedes em Stuttgart, Dubai, Frankfurt, Cairo, Moscou e Nova York, o escritório de Werner Sobek desenvolve soluções de engenharia, design e sustentabilidade no mundo todo. A filial brasileira acaba de ser instalada em São Paulo, dirigida pelo engenheiro Jörg Spanenberg. Sua primeira tarefa é o novo estádio do Corinthians, em Itaquera, projeto pilotado pelo arquiteto Aníbal Coutinho, da CDC Arquitetos. "Seu telhado imenso em balanço e os grandes vãos representam um desafio. 

Ali serão utilizados materiais que geram leveza e eficiência na edificação", explica o engenheiro Wolfgang Sundermann, diretor- executivo da empresa fundada em 1992, que veio à capital paulista em novembro. Pela primeira vez, o conceito do Triple Zero ® será aplicado num projeto no Brasil. "O foco principal é o uso de materiais de construção locais", comenta o engenheiro. Muitas vezes, a equipe de Sobek resolve a parte de engenharia e sustentabilidade de projetos feitos por outros escritórios de arquitetura, e, nas obras pelo mundo, a tendência é o investimento em construção leve. 

Ela se caracteriza pelo mínimo uso de estrutura que suporte peso e pelo ‘envelope’ do edifício. "Esse tipo de construção requer engenharia sofisticada e profundo conhecimento de materiais", descreve Sundermann. "Em prédios altos, se nota uma série de efeitos. Com a redução do peso de telhados, os elementos que os suportam, como colunas e paredes, e as fundações são otimizados, provocando um corte significativo nos custos." Traduzindo em termos sustentáveis: recursos naturais são preservados e há menos energia aprisionada na forma de materiais construtivos. Outra atitude de vanguarda do escritório é o estudo detalhado do microclima para ajudar a planejar desde casas a bairros inteiros. "Com auxílio de um software, temos um modelo completo do prédio e de seu entorno. Isso permite simular com realismo as condições ambientais que afetam o edifício e a região, como a radiação solar e a velocidade do vento", conta Sundermann. Pessoas programadas por computador caminham nesse ambiente virtual e o software registra detalhes como a temperatura da pele, a percepção de umidade e a brisa no rosto! Saber o que acontece com os usuários permite prever sombreamento e ventilação adequados, por exemplo. "Também ajuda a checar e apurar os elementos de desenho arquitetônico, o que contribui para a sustentabilidade", conclui.