Guia Exame de Sustentabilidade de 2011

18/05/2011 20:09

 

RESULTADOS
A era da biodiversidade
O Guia EXAME de Sustentabilidade 2010, maior levantamento de práticas de responsabilidade corporativa do país, mostra que as empresas brasileiras estão abraçando o tema de maneira mais ampla

Flávia Yuri
Guia Exame de Sustentabilidade 2010 - 12/2010

 

[img01] A busca pela sustentabilidade tem muitas frentes e, nos últimos anos, o tema mais falado tem sido a ameaça real de mudanças drásticas no clima. Mas, daqui para a frente, o aquecimento global vai dividir as atenções com um tema igualmente importante: a biodiversidade. Em outubro, a ONU reuniu em Nagoya, no Japão, representantes de 193 países para discutir como promover o uso sustentável das espécies de plantas e de animais do planeta e recuperar habitats já degradados. O evento da ONU, o décimo sobre o tema, não teve a mesma visibilidade do encontro do clima, realizado no ano passado, na Dinamarca. Mas, a despeito de estar sob menos holofotes, Nagoya rendeu frutos. Os representantes dos países presentes conseguiram chegar a um acordo sobre uma série de metas, como a de reduzir em 50% a perda de habitats, e isso inclui as florestas, e recuperar 15% dos ecossistemas degradados. O Brasil tem papel essencial quando se fala na preservação da biodiversidade global. O país lidera a lista das nações chamadas de "megadiversas", graças aos sete grandes biomas de seu território: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Zona Costeira e Pampa. Para cumprir esses compromissos, os governos - inclusive o brasileiro - precisarão da ajuda das empresas. E é aí que entra uma questão: elas estarão dispostas a colaborar? 

Se souberem que a perda da biodiversidade tem impacto negativo sobre seus negócios, provavelmente sim. "Ainda é baixo o envolvimento das empresas na conservação da biodiversidade, mas o valor econômico dessa riqueza já começou a ser quantificado. Isso vai aumentar o interesse delas no tema", diz Roberta Simonetti, coordenadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, responsável pela metodologia do questionário usado por EXAME. A pesquisa realizada para o Guia EXAME de Sustentabilidade 2010 mostra que em boa parcela das empresas esse interesse já existe. Entre as 143 participantes, 69% afirmaram ter alguma ação relacionada à biodiversidade. A maioria está ainda dando os primeiros passos, mas já existem iniciativas que podem servir de modelo no Brasil. 

O Boticário, terceira maior empresa de cosméticos do país, criou sua fundação com foco em biodiversidade em 1990. De lá para cá, a empresa adquiriu 8 900 hectares na região do Cerrado e 2 400 hectares na Mata Atlântica para transformá-los em áreas de preservação ambiental. Nessas áreas, foram descobertas 37 novas espécies de fauna e flora. A fundação já apoiou mais de 1 300 projetos de biodiversidade. É dela a iniciativa mais avançada na área: o pagamento por serviços ambientais. A natureza entrega de graça água limpa e a polinização das plantas para o homem. Esse tipo de benefício tem valor econômico, e é esse o princípio por trás da ideia dos serviços ambientais: colocar uma cifra no trabalho da natureza. O projeto Oásis, do Boticário, remunera proprietários de terras ao redor da represa de Guarapiranga, em São Paulo, que se comprometem a conservar a qualidade da água e a evitar erosão na área. A empresa paga 370 reais por hectare anualmente, de acordo com a avaliação da qualidade da manutenção. Um dos proprietários que participam do programa chega a receber 96 000 reais por ano. "O ideal seria o município pagar por esses serviços. No Paraná, estamos ajudando a prefeitura de Apucarana a desenvolver esse programa com 65 proprietários de terras nas nascentes de três grandes rios", diz Malu Nunes, diretora da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e gerente de sustentabilidade do Boticário. A Coca-Cola é outra companhia que elegeu a conservação da água como prioridade de investimentos em biodiversidade. A empresa criou um fundo de 20 milhões de reais para a Fundação Amazônia Sustentável, em 2009. O objetivo é ajudar a gerar renda de forma sustentável na região. 

Se em biodiversidade a maior parte das iniciativas ainda é muito recente, os resultados da pesquisa anual realizada por EXAME mostram que as empresas seguem avançando em questões mais conhecidas, como o uso de material reciclado. Neste ano, 80% das participantes afirmam usar reciclados em sua operação. No ano passado, o índice era de 64%. A AmBev passou a reaproveitar as perdas de vidro que ocorriam na produção de garrafas. Atualmente, 55% da matéria-prima dessa produção vem de cacos de vidro reciclado. O número de empresas que conseguiram reduzir a geração de resíduos em sua operação também aumentou: de 77%, em 2009, para 85% neste ano. Desde 2009, a Votorantim Cimentos vinculou o cumprimento de metas de sustentabilidade à remuneração variável dos gestores de meio ambiente das fábricas. A medida incentivou algumas inovações. Na fábrica de Itaú de Minas, em Minas Gerais, a companhia passou a aproveitar o óleo de motor hidráulico de caminhões para fazer a emulsão para explosivos, necessários na mineração. São 1 500 litros por mês, que correspondem a 50% do óleo usado na detonação das minas de mineração. Na AmBev, os resíduos não são reutilizados internamente, mas renderam 78,8 milhões de reais para os cofres da empresa em 2009. Como? Vendendo para outras indústrias 98,2% do resíduo que iria para o lixo. O bagaço de malte e o fermento de levedura, ambos ricos em proteína, são vendidos para alimentação animal. Latinhas, PET e papel são 100% destinados à reciclagem. "Nós separamos, tratamos e armazenamos todos os resíduos para a venda", diz Beatriz Oliveira, gerente corporativa de meio ambiente da AmBev. 

Um bom indício de que o conceito de sustentabilidade tem permeado as empresas de forma consistente é o número de companhias que o incluíram em seu planejamento estratégico. O aumento foi de 81%, em 2009, para 89%, neste ano. O plano de sustentabilidade da Even Construtora, por exemplo, nasceu durante a elaboração do planejamento estratégico da empresa, em 2008. A construtora criou uma diretoria exclusiva e, de saída, todos os diretores tiveram seus bônus vinculados às metas de sustentabilidade estabelecidas para os três anos que se seguiram. "Tivemos mudança de processos em todas as áreas. Sete novos fundos entraram como nossos acionistas e temos conseguido taxas melhores de financiamento graças à adoção de critérios sustentáveis na seleção dos terrenos", diz Silvio Gava, diretor técnico e de sustentabilidade da Even. 

MAIS TRANSPARÊNCIA 
A preocupação com a transparência tem levado um número maior de empresas a auditar seus relatórios de sustentabilidade. Das empresas participantes, 29% tiveram seus relatórios auditados, e a média mundial é de 30%. Dentro das consultorias, esse tipo de auditoria ganha cada vez mais espaço. De 2007 a 2010, a área de sustentabilidade dobrou de tamanho na PricewaterhouseCoopers. Só no último ano, o número de clientes que procuravam verificação de relatórios aumentou em 50%. Na DNV, uma certificadora, o volume de negócios de sustentabilidade também cresceu 50%. O banco HSBC publicou seu primeiro relatório de sustentabilidade auditado neste ano. "A auditoria torna a elaboração do relatório mais longa e trabalhosa. Temos de entender todas as etapas das áreas de negócios para identificarmos a informação de que precisamos. Mas isso gerou um envolvimento muito maior da empresa", diz Claudia Malschitzky, executiva sênior de sustentabilidade do HSBC. 

O levantamento também mostra que as empresas estão cada vez mais envolvendo fornecedores e parceiros em seus programas de sustentabilidade. Em 2004, a Whirlpool, fabricante de eletrodomésticos e dona das marcas Brastemp e Consul, criou um programa de gestão integrada com 350 fornecedores diretos no qual uma série de critérios sociais e ambientais é considerada. Um ano depois, a empresa passou a exigir a auditoria dos processos. Os fornecedores foram avaliados em quatro níveis: inaceitável, básico, especial e excelente. Todos os fornecedores têm de ter, por exemplo, uma política de descarte adequada de resíduos. Quem faz o que é simplesmente correto e seguro não é repreendido. Mas aqueles que conseguem desenvolver maneiras para que os resíduos sejam reaproveitados por outras indústrias, quando isso é possível, ganham mais pontos. A empresa e a Fundação Vanzolini desenham agora um programa para ir ainda mais longe na cadeia produtiva, alcançando os fornecedores de seus fornecedores. "O desafio é grande: são mais de 3 500 companhias. Dividimos por setores e elegemos os mais críticos para começarmos a trabalhar", afirma Paulo Miri, diretor de suprimentos da Whirlpool. 

A pesquisa realizada para o Guia EXAME de Sustentabilidade 2010 mostra que, apesar dos muitos avanços, as empresas ainda patinam em temas críticos. A diversidade é um deles: o número de mulheres em cargos de liderança não vem aumentando nos últimos anos. Apenas 5% das companhias que responderam ao questionário afirmam ter 40% ou mais de mulheres em posição de comando. A quantidade de empresas que diz garantir a equidade de remuneração entre funcionários e terceirizados com funções similares era baixa no ano passado, com índice de 34%, e caiu ainda mais neste ano, para 30%. Nem tudo evoluiu também na seara ambiental. Enquanto o número de empresas que afirmam fazer inventário de suas emissões subiu de 54%, em 2009, para 59%, neste ano, caiu de 34% para 33% o percentual daquelas que dizem ter estipulado metas de redução para essas mesmas emissões. Um aforismo tradicional do mundo dos negócios diz que é impossível gerenciar o que não se pode medir. Nesse caso, o que parece é que as empresas têm se limitado a medir.